Politicamente correto e liberdade de expressão: pesquisei a opinião de dois intelectuais com ideias radicalmente diferentes e este foi o resultado
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O debate sobre o politicamente correto molda decisões eleitorais (Fonte: IDare Act/Reprodução) |
Separei os pontos de vista mais antagônicos possíveis sobre politicamente correto e liberdade de expressão. Tem coragem de conhecer uma opinião diferente da sua?
É, eu sei que comecei o texto com um exônimo.
O que raios é isso?
Um termo usado por terceiros para definir uma coisa.
Você vai ver mais sobre isso ao longo dos tópicos...
Geralmente, “politicamente correto” é uma palavra não usada por quem seria politicamente correto.
Aposto que você está torcendo o nariz com esse papo.
Calma, tem um motivo para eu fazer isso.
O sociólogo Sergio Fausto define o momento que a gente vive como um “déficit de representatividade”.
Se você não conhece ele, talvez conheça seu pai, um historiador chamado Boris Fausto.
O que isso tem a ver com o post?
Eu explico.
Bom, o debate sobre politicamente correto e liberdade de expressão sustentou a candidatura de vários políticos recentemente.
Você deve saber do que estou falando…
É o que o filósofo Eduardo Wolf associa ao conceito de “guerra cultural”.
E é por isso que decidi fazer este post.
A ideia é trazer pontos de vista antagônicos para ajudar a formular sua opinião.
Quer sair um pouco da sua bolha?
Então, vem comigo...
Jordan Peterson: o politicamente correto é uma extensão autoritária do marxismo e da utópica filosofia pós-moderna
O primeiro nome que decidi trazer para o post é o Jordan Peterson.Canadense, é professor de psicologia da Universidade de Toronto e conta com dois livros publicados.
Sua visão é crítica ao politicamente correto, como você vai ver…
Desconfiança dos bonzinhos
Peterson começa com um fundamento filosófico e psicológico.Como esclarece no livro 12 Regras Para a Vida: Um Antídoto Para o Caos, há um “lado sombrio” em tudo.
Para ele, isso é visível nas obra de vários intelectuais.
- o “desejo inadequado” no conteúdo dos sonhos, de Freud;
- o “gêmeo mal” de Jung;
- o “ressentimento” filosófico, de Nietzsche.
Interessante, não é?
Esse é o ponto de partida que Peterson usa para desconfiar das intenções dos que dizem agir “pelos princípios mais elevados”.
Nas suas palavras, “se você não é capaz de entender por que alguém fez alguma coisa, observe as consequências — e infira a motivação”.
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Jordan Peterson é professor da Universidade de Toronto (Fonte: Estadão/Reprodução) |
Peterson acredita que os “defensores do planeta” provocam efeitos colaterais nas universidades.
A saúde mental dos garotos estudantes é prejudicada pelo politicamente correto: não são bem-vindos, tem realizações desvalorizadas por serem “privilegiados do patriarcado” e são “sexualmente suspeitos” por serem possíveis membros da “cultura do estupro”.
A coisa não para por aí…
Problemas no discurso do patriarcado
Para Peterson, o discurso não é só psicologicamente prejudicial, como ineficaz.O exemplo é a Escandinávia: em que, na sua leitura, as diferenças entre homens e mulheres são paradoxalmente mais pronunciadas na medida em que as políticas igualitárias são mais avançadas.
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Máxima nietzschiana sobre ressentimento é usada por Jordan Peterson (Fonte: G1/Reprodução) |
A razão é o argumento pós-moderno de que a cultura ocidental é uma estrutura opressora.
Isso faz com que áreas de estudo se tornem hostis aos homens e, para ele, a premissa é falsa.
A cultura é sim opressora — mas não é apenas isso.
O professor acredita que a cultura é uma criação da humanidade, não dos homens e o eurocentrismo, um fenômeno recente.
Ainda levanta exemplos de homens que dedicaram a vida a melhorar a das mulheres, como o indiano Arunachalam Muruganantham, que revolucionou o absorvente na Índia e o americano Earle Cleveland Haas, inventor da pílula anticoncepcional.
Continua a leitura que você vai entender de onde isso veio...
Incoerências na filosofia pós-moderna
Para Peterson, o politicamente correto tem uma raiz filosófica.Qual é a origem?
Existem várias fontes.
Uma delas é a teoria crítica de Max Horkheimer e as ideias de seus companheiros da Escola de Frankfurt.
Mas isso não é tudo.
As principais críticas são dedicadas aos pensadores franceses da filosofia pós-moderna, em particular, a Jacques Derrida.
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A obra do francês Jacques Derrida é amplamente criticada por Jordan Peterson (Fonte: Revista Cult/Reprodução) |
O professor defende que os intelectuais franceses eram muito influenciados pelo marxismo e chegaram a apoiar as ideias do Khieu Samphan, um dos arquitetos do grupo comunista cambojano Khmer Vermelho.
Como isso é feito?
Derrida usa um truque linguístico.
Troca a noção de “dinheiro” por “poder” para validar o que seria uma evolução do marxismo.
Tá chato o papo filosófico?
Calma, já vou explicar onde isso leva...
Essa filosofia seria baseada em princípios radicais, niilistas e destrutivos, baseando distinções apenas na ideia de poder.
A coisa não acaba aí…
O princípio desconstrutivista de “não há nada fora do texto” põe em xeque a categorização em si.
O conceito “mulheres” existiria apenas para o benefício dos homens e “ciência” apenas para o benefício dos cientistas.
Vai vendo…
Interpretações de causa única
Parece coisa pouco relevante essa análise filosófica?Peterson acredita que traz uma utilidade prática.
O conselho é simples: desconfie de explicações de causa única.
Isso porque Peterson concorda com a primeira premissa da filosofia pós-moderna.
“Existe um número infinito de interpretações”.
Mas discorda da segunda.
Acredita que “há um número extremamente limitado de soluções viáveis”.
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Políticas da Escandinávia são fontes de polêmica (Fonte: Life in Norway/Reprodução) |
Outro problema do politicamente correto é a crença de que o ativismo político é moralmente obrigatório.
Onde isso leva?
O professor acredita que o fator determinante de status é a competência, não o poder.
E há um uso maléfico na retórica da ênfase do poder: “se só existe poder, então usá-lo para obter o que se quer se torna plenamente justificável”.
O fundamento da justiça social, nesse caso, é a igualdade de resultados — independentemente da crença na justiça desse resultado.
Peterson acredita que a própria divisão identitária é errada.
“A identidade de grupo pode ser fracionada até o nível individual”.
Moira Weigel: o politicamente correto não existe, é uma invenção retórica da direita para ridicularizar o adversário e tornar o debate impossível
Sabe quando eu disse que os nomes do texto pensam de forma radicalmente diferente sobre politicamente correto e liberdade de expressão?Então, não era papo furado.
O segundo nome que trouxe para o post é a Moira Weigel.
Norte-americana, é pesquisadora associada da Universidade de Harvard e também tem dois livros publicados.
Diferentemente do Jordan Peterson, Weigel acredita que o politicamente correto não existe.
E tem uma explicação para isso…
Teoria da conspiração
Como Weigel explica em sua coluna Political correctness: how the right invented a phantom enemy, publicada no jornal britânico The Guardian, o politicamente correto é um exônimo.Nas palavras dela, “o termo é sempre uma acusação”.
O que isso significa?
Na prática, que o uso, na maior parte das vezes, é depreciativo.
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Moira Weigel é pesquisadora na Universidade de Harvard (Fonte: Moira Weigel/Reprodução) |
O termo é diz respeito a uma conspiração e indica forças poderosas tentando suprimir verdades inconvenientes e patrulhar o idioma.
Você já vai entender quais são as implicações disso…
Sabe quando você diz que uma coisa “tecnicamente está certa”?
Então, está subcomunicando que não está realmente certo.
Há um “porém” implícito.
A pesquisadora entende que uma versão piorada desse fenômeno acontece com o politicamente correto.
O termo indica que os argumentadores agem de má-fé ou querem afirmar superioridade moral.
Curioso, não é?
Para Weigel, o conceito é contraditório.
Políticos como Trump afirmam para milhares de pessoas que estão sendo silenciados pela conspiração anônima que chamam de politicamente correto.
O problema é: como afirmam isso, se estão sendo silenciados?
A análise dela segue para outros pontos...
Velho truque conservador
Assim como Peterson, Weigel fundamenta sua argumentação com base na raiz das contradições.Para ela, a retórica do politicamente correto não é coisa nova.
Na verdade, já pinta na política americana há pelo menos 25 anos.
Vai vendo…
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Allan Bloom é um dos primeiros representantes da retórica anti-politicamente correto (Fonte: Contemporary Thinkers/Reprodução) |
Nomes como o repórter do The New York Times, Richard Bernstein, e o professor de filosofia, Allan Bloom, já divulgavam o anti-politicamente correto por aí.
Seria um programa político de esquerda baseado no chamado “relativismo cultural” e inspirou vários best-sellers conservadores.
A pesquisadora acredita que o conceito é vago, mutável e mal fundamentado.
Bernstein, por exemplo, diz que o politicamente correto “remete à ortodoxia stalinista”, mesmo sem existir uma tradução russa para o termo.
Antes da ressignificação pela direita, o termo tinha a utilidade oposta e era usado por grupos feministas como o Lesbian Sex Mafia.
Existe um motivo importante para essa mudança...
Cruzada política
Weigel esclarece que as respostas dos expoentes conservadores às mudanças identitárias são desproporcionais e boa parte dos livros são sensacionalistas e escondem informações.O que isso significa?
Nas palavras dela, que “essa cruzada contra o politicamente correto é tão política quanto seus oponentes”.
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A cruzada contra o politicamente correto foi um dos truques eleitorais do Trump para seduzir eleitores (Fonte: Leah Millis/Reuters) |
A pesquisadora mostra que o conceito de politicamente correto não tem muito de conceito de fato.
Havia um projeto político de criar uma aliança conservadora e um apelo retórico aos eleitores brancos que estavam perdendo seus empregos graças ao multiculturalismo.
Em outras palavras, “um modo de dar ao racismo uma fachada politicamente aceitável”.
Isso é feito de forma simples.
Basta dissociar as pessoas comuns e a “elite esquerdista”, como se tivessem interesses diferentes.
Se o estereótipo da esquerda usado de bode expiatório dos anos 1990 era um comunista soviético, hoje é um millennial narcisista que quer patrulhar o discurso.
Continua a leitura aí para você entender as consequências práticas disso...
Álibi para o autoritarismo
Para Weigel, a exploração do termo “politicamente correto” pela direita é um impulso autoritário e bloqueia o debate.Como isso é feito?
Bom, o truque é estimular as pessoas a se sentirem livres para expressar opiniões preconceituosas.
Essa é a forma mais eficaz de atrair eleitores brancos ressentidos com a perda de posições para minorias.
A retórica é muito presente no discurso da direita até hoje, como nos textos do jornalista Jonathan Chait na revista New York.
Se Trump cai em contradição ao dizer que é silenciado para milhares de pessoas, o mesmo serve para Chait — reclama de censura anônima em veículos de grande circulação.
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Jonathan Chait adota o mesmo tipo de retórica (Fonte: BookTV/YouTube) |
A pesquisadora conclui que o anti-politicamente correto é um álibi para o autoritarismo.
A razão é simples.
A retórica tem dado voz para políticos populistas e de discurso antidemocrático — uma contradição para os que se dizem inimigos do autoritarismo.
Falar sobre politicamente correto e liberdade de expressão é um prato cheio para os debates de hoje, não é?
Se você leu um dos pontos de vista e achou asqueroso — ou até pulou — o outro, talvez ainda esteja dentro da sua janela ideológica.
Não é papo de isentão, garanto!
No fundo, a Moira Weigel e o Jordan Peterson querem evitar o mesmo problema: autoritarismo.
E tem métodos de escrita similar: analisam a origem da argumentação e tentam entender suas repercussões no presente.
Eaí?
Qual dos pontos de vista achou mais interessante?
Comenta aí e conta sua opinião!
Fontes: Estadão Nexo Jornal The Guardian
12 Regras Para a Vida: Um Antídoto Para o Caos, Jordan B. Peterson
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